Apesar de ameaça da Corte, presidente foi alvo de xingamentos no último dia do festival em São Paulo
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Edson Fachin, quer julgar no plenário da Corte a censura imposta aos artistas no festival Lollapalooza, realizado no último final de semana, que xingaram o presidente Jair Bolsonaro (PL). O magistrado afirmou à jornalista Ana Flor, do g1, que levará o caso “imediatamente” à turma.
O ministro Raul Araújo, do TSE, tomou a decisão de vetar as manifestações monocraticamente, no último domingo (27). Ele ainda estipulou multa de R$ 50 mil ao festival toda vez que houvesse desobediência da determinação. O Lollapalooza recorreu do caso.
A proibição foi feita após um pedido do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro. A legenda acionou a Justiça alegando que os artistas, que incentivaram gritos contra o chefe da República, promoveram propaganda eleitoral antecipada. Um dos casos mais emblemáticos foi da cantora Pabllo Vittar que puxou o coro “Fora Bolsonaro” e, em seguida, levantou uma bandeira com o rosto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Ao afirmar que deve pautar em breve o tema, Fachin disse que o histórico do TSE é de defesa “intransigente” da liberdade de expressão. “Assim que o relator liberar para a pauta, irei incluir imediatamente”, informou o ministro à jornalista. “A posição do tribunal será a decisão majoritária da Corte, cujo histórico é o da defesa intransigente da liberdade de expressão”, completou.
‘Ameaça à democracia’
Professores das principais faculdades de Direito do Brasil divulgaram uma nota, na manhã desta segunda-feira (28), apontando como inconstitucional a decisão do ministro Raul Araújo, que proibiu manifestações eleitorais no Lollapalooza contra Bolsonaro.
Os juristas e advogados afirmam que a decisão ataca a liberdade artística garantida na Constituição e que propaganda eleitoral não pode ser confundida com manifestação de opinião, ainda que seja tendente a um candidato. “A manutenção de uma decisão com este conteúdo pode representar um precedente perigosíssimo para a nossa jovem e ameaçada democracia”, diz a nota.
O manifesto também alerta para um preocupante cenário institucional no país. De acordo com os especialistas, “propaganda eleitoral não pode ser confundida com manifestação de opinião, ainda que esta seja tendente a determinado partido ou candidato”. Eles explicam que as falas dos artistas não envolvem pedido explícito de voto, nem exaltaram qualidades pessoais de algum candidato.
“No caso vertente, ao pretender corresponder a manifestação artística a uma propaganda eleitoral, a decisão ataca deliberadamente a liberdade artística contemplada em nosso Texto Constitucional (artigo 5º, inciso IX), bem como desconsidera letra expressa e impassível de dúvidas de lei parlamentar escrita e aplicável, o que ameaça sobremaneira a segurança jurídica”, afirmam no texto.
Artistas mantêm críticas
Apesar da tentativa de censura, as manifestações políticas contra Bolsonaro continuaram a marcar o festival Lollapalooza no último domingo, com a apresentação da banda Fresno e seu convidado Lulu Santos. Lucas Silveira, vocalista da banda, soltou um “fora Bolsonaro!” no microfone neste terceiro dia do Lollapalooza. Lulu Santos também se manifestou contra a decisão do TSE. “Como diz Carmen Lúcia, cala a boca já morreu, quem manda em minha boca sou eu”, declarou após cantar “Já Faz Tanto Tempo”, música que tem em parceria com a banda.
As críticas ao presidente Jair Bolsonaro permaneceram ao longo do dia e, apesar da possibilidade de multa, os artistas mantiveram os gritos de “Fora Bolsonaro”. O rapper Djonga, por exemplo, pediu para que a plateia levantasse o dedo do meio e pensasse em alguém que não gosta. Imediatamente, quando o coro de gritos contra o presidente começou. “Não pode falar. Já que não pode, vamos falar, porque eu gosto de desobedecer”, disse o rapper mineiro.
Momentos depois, ele disse ainda que Bolsonaro era “fraquíssimo” e repetiu os gritos contra o presidente durante o show inteiro. “Eu odeio o Bolsonaro, quem gosta é problema seu”, disse no palco. Depois da apresentação, em entrevista ao canal Multishow, voltou a atacar o mandatário: “Bolsonaro, você é um merda!”.
O rapper Emicida, que fechou o último dia do festival, também se manifestou. Ao convidar o músico Criolo – que entrou com uma camisa escrito “Vote” –, o anfitrião puxou um coro para xingar Jair Bolsonaro. Após o público insultar o político, Emicida disse que “a voz do povo é a voz de Deus” e provocou: “pode multar”.
Em seguida, foi a vez do cantor Marcelo D2, do Planet Hemp. Assim que entrou no palco, D2 deu a entender que não citaria Bolsonaro em sua apresentação. “Ele não. Ele não vai comandar a narrativa hoje”, afirmou o rapper. Após algumas músicas, o cantor mudou o tom, xingou Bolsonaro, incentivou que a plateia chamasse o nome de Lula. D2 disse que exaltaria o festival, Lolla, e iniciou um verso popular das nas campanhas do petista – e foi respondido pelo público. Por fim, o artista disse que o público precisa “mudar isso” nas urnas. (RBA)