Casos do Banespa e do Banestado alertam para os prejuízos sociais que virão se Banco do Brasil e Caixa passarem para o sistema financeiro, como querem Bolsonaro e Paulo Guedes
São Paulo – O ministro da Economia do governo Bolsonaro, Paulo Guedes, nunca escondeu sua vontade de privatizar as empresas públicas, incluindo Caixa e Banco do Brasil (BB). O argumento para justificar a sanha privatista é sempre o mesmo. “Qual é o plano para os próximos 10 anos? Continuar com as privatizações. Petrobras, BB, todo mundo entrando na fila. E isso sendo transformado em dividendos sociais”, chegou a dizer em evento virtual da International Chamber of Commerce Brasil, realizando ano passado.
Porém, como relata o coordenador da Comissão de Empresa dos Funcionários do Banco do Brasil (CEBB) e membro do Comitê de Luta em Defesa do Banco do Brasil, João Fukunaga, a realidade resultante das privatizações, passa longe das promessas de “dividendos sociais” e outras falácias usadas para entregar o patrimônio público ao apetite do mercado por lucros crescentes e sem limites.
“Assim como aconteceu com outras importantes empresas públicas que sofreram privatização, o BB vem passando por um processo de desmonte. Nos últimos cinco anos, a empresa fechou 1.400 agências e reduziu 23 mil funcionários. Temos ainda a entrega de subsidiárias importantes do banco para outras empresas do mercado, como o caso da BB DTVM – administradora do BB de R$ 1,4 trilhão no mercado financeiro –, para o banco suíço UBS, sob o manto da ‘parceria’”, destaca o dirigente trabalhista.
O resultado das privatizações do Banco do Estado do Paraná (Banestado) e do Banco do Estado de São Paulo (Banespa) comprovam o alerta dos movimentos de trabalhadores que lutam para afastar os riscos de privatização do Banco do Brasil e de outras importantes empresas públicas.
“Perdas de direitos, demissões em massa, desmonte dos planos de saúde e de previdência complementar. Esses foram os resultados das privatizações do Banestado e do Banespa, prestes a completarem 22 anos agora, em outubro e em novembro (respectivamente)”, lembra “Ou seja, além de não resultarem no tão prometido aumento de investimentos, expansão econômica e modernização, as vendas que sepultaram as duas empresas destruíram direitos dos funcionários incorporados aos bancos compradores”, completa Fukunaga.
Caso Banestado
“O processo de privatização em si é muito estressante. A empresa precisa desmoralizar-se e quebrar a confiança dos empregados no futuro da instituição”, explica o ex-funcionário do Banestado e ex-presidente da CUT Paraná e da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Beto von der Osten, o Betão.
Ele lembra que, três anos antes da privatização, em 1997, a então diretoria do Banestado, orientada pelo governo estadual, avisou aos funcionários que a empresa passava por uma grave crise financeira. “Na ocasião, o banco contava com mais de 12 mil empregados. No final do ano, a Assembleia Legislativa do Paraná aprovou uma lei para sanear o banco e foi aberta uma sala de dados para informação da real situação da empresa para interessados na sua compra”, destaca. Em 1999, a empresa pública foi submetida a dois programas de demissão voluntária que reduziram o número de funcionários para 8 mil.
No processo, o estado do Paraná desembolsou R$ 5,1 bilhões, em valores da época, para sanar as dívidas do Banestado. E isso para depois entregar a instituição por apenas R$ 1,6 bilhão, em outubro de 2000, por leilão ao banco Itaú. Dois anos após a privatização, 76% das agências que antes eram do Banestado estavam encerradas. Em 2019, restavam apenas 500 funcionários oriundos do banco público na folha de pagamento do Itaú.
“O Banestado foi privatizado quando tinha quase 72 anos. Durante décadas foi uma das instituições financeiras mais sólidas do Brasil. Foi o grande parceiro dos ciclos econômicos e sociais, permitindo um nivelamento de desenvolvimento entre as regiões”, relembra Betão.
“A revista Exame fez, em 1998, uma pesquisa apontando que mais de 90% dos empreendimentos econômicos e de infraestrutura do Paraná foram financiados pelo Banestado. A instituição era também um banco contemporâneo, introduzido na automação bancária desde os anos 70. Pioneiro com cartões de múltiplas funções e caixas automáticos de saques.”
Caso Banespa
Antes da privatização, o Banespa também passou por um processo de desmoralização. Chegou a ser o maior banco estadual e o terceiro maior banco comercial do país. Nas décadas de 60 e 70, foi responsável pela expansão do parque industrial paulista e de grandes investimentos sociais e produtivos dentro e fora do país. Foi nos anos 90 que começou a apresentar complicações financeiras.
“Antes da privatização, o Banespa era um banco em que todo mundo gostaria de trabalhar. Havia uma política de integração social, esportiva, cultural. Então, é um banco que deixou muita saudade, tanto para os funcionários como para os clientes”, destaca e ex-funcionário do Banco Estadual de São Paulo e atual presidente da Associação dos Funcionários do Grupo Santander Banespa, Banesprev e Cabesp (Afubestp), Camilo Fernandes dos Santos.
Em novembro de 2000, o Santander comprou o Banespa por R$ 7,05 bilhões, em leilão realizado na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. “Em seguida, vieram os programas de demissão voluntária, com mais de 8 mil adesões, e sucessivos processos de fechamento de agências”, lembra Camilo. “Depois da privatização, o relacionamento com os clientes no Banespa deixou de ser o mais importante, passando a ser a cobrança de metas, de resultados, como um banco comercial comum. E isso resultou no adoecimento dos funcionários que ainda continuaram”, observa ainda.
Fundos de pensão e planos de saúde
Os históricos de privatizações de empresas públicas mostram que, praticamente, em todas as empresas vendidas ocorrem ataques aos planos de saúde e de previdência complementar para reduzir direitos dos associados e as contribuições e compromissos das empresas patrocinadoras.
Camilo e Betão pontuam que, nos casos Banespa e Banestado, os ataques foram profundos, com fechamento dos planos de previdência, ficando restrito somente aos antigos funcionários, abertura de outro plano para os novos trabalhadores, com contribuições muito reduzidas dos patrocinadores, transferindo a responsabilidade com a formação da reserva previdenciária quase exclusivamente aos funcionários.
“O novo controlador, banco Santander, enfraqueceu a governança dos funcionários nas entidades de saúde e previdência, acabou com os comitês gestores e de investimentos e com as eleições de trabalhadores para as diretorias. Ou seja, a participação dos representantes eleitos pelos funcionários foi reduzida, e o Santander aumentou seu controle para cortar direitos dos trabalhadores”, destaca Camilo.
Ele conta ainda que o Santander proibiu a entrada de novos funcionários oriundos do banco público no plano de saúde, comprometendo seu equilíbrio e sobrevivência futuros. E, no Fundo Banespa de Seguridade Social (Banesprev), o plano para aposentadoria dos trabalhadores do antigo banco público, os associados têm, atualmente, que arcar com contribuições extraordinárias cada vez maiores para a cobertura de déficits. (RBA – Fotos: Arquivos EBC reprodução RBA)