Nos 200 anos da Independência, cientista pede ações para redução das desigualdades

Em evento da SBPC para o Bicentenário, Paulo Artaxo alerta para efeitos das mudanças climáticas, mais perversos sobre os mais pobres. E reivindica esforços da ciência e de governos para tornar o atual sistema socioeconômico mais justo

São Paulo – Em debate da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) que discute as contribuições da ciência para a soberania e independência do Brasil, o físico Paulo Artaxo mostrou dados alertando para os efeitos das mudanças climáticas já em curso, sobretudo sobre as populações mais pobres. E reivindicou esforços de cientistas e governantes para transformar o atual sistema socioeconômico.

“Questões ambientais e climáticas vão impactar cada vez mais na economia, no emprego e nas desigualdades sociais. Por isso precisamos de ciência, de governança, para mudar o nosso sistema para um sistema mais jutsto e com menos desigualdades sociais”, disse Artaxo, que reiteradamente defende que a prevenção de efeitos da mudanças climáticas estejam no centro das políticas públicas.

Só de dezembro para cá, muitos destes efeitos ficaram na memória, como o caso de tragédias causadas por tempestades intensas, deslizamentos e enchentes. Em Petrópolis, na serra fluminense, em fevereiro passado, 230 pessoas morreram. No sul na Bahia, 28 mortos, 520 feridos e mais de 850 mil desabrigadas. Em Minas Gerais, pelo menos 30 mortos, e mais de 70 mil desalojados.

Independência e emergência climática

Vice-presidente da SBPC, o professor do Instituto de Física da USP trabalha com física aplicada a problemas ambientais. Principalmente nas questões de mudanças climáticas globais e meio ambiente na Amazônia. Integrante do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) – da equipe agraciada com o Prêmio Nobel da Paz de 2007 –e de vários outros painéis científicos internacionais, ele destacou a urgência de mudanças.

“Temos de construir pontes entre as necessidades básicas, como acesso à água, renda, educação, emprego, energia, equidade social, igualdade de gênero, saúde, alimentação, respeitando os limites do nosso planeta. Temos de construir pontes onde a gente possa desenvolver um lugar justo e seguro para a humanidade. Essa é a única tarefa da ciência, do sistema econõmico, dos nossos sistemas políticos, para construir de maneira conjunta esse espaço. E para isso a gente precisa de uma ciência sólida, interdisciplinar, que ajude a sociedade a construir esse espaço sustentável no nosso planeta”, disse.

A ex-ministra do Meio Ambiente no governo de Dilma Rousseff (PT), Izabella Teixeira também participou do debate que marca o bicentenário da Independência, destacou a emergência climática que se coloca no presente. Ou seja, se nada for feito, pode não haver futuro. E nessa perspectiva, a ciência tem papel estruturante em todas as relações envolvendo governos, “menos naquelas que habitam o planeta da ignorância”.

Ciência provedora de bem estar

É o caso, por exemplo, de se criar ferramentas que permitam índices mensais de desmatamento, como se faz com a inflação. No entanto, mais do que isso, essa ciência deve criar novas linguagens para a construção de novas soluções, brasileiras, para os problemas da Amazônia e de outros biomas.

“A dona Maria, o seu José não precisam entender de física quântica, mas precisam saber que são parte da solução dos problemas, em uma aliança forte com a ciência e a democracia”, disse, defendendo a inserção dos saberes populares nas metodologias. “E temos também de ter a audácia de conhecer a Amazônia, os outros biomas, o país, para conhecer as demandas e poder pactuar soluções”.

Assim como Paulo Artaxo, Izabella também defendeu uma ciência provedora de bem estar como requisito para a independência. “Este é o papel político da ciência”. E “vacinada” contra contra as oscilações orçamentárias conforme os governos e contra futuros desmontes, para assim formar lideranças científicas intergeracionais e estancar a fuga de cérebros.

“Não podemos mais abrir mão de jovens cientistas. É inaceitável que a gente perca doutorandos e pós-doutorandos, que no Brasil recebem bolsas de apenas mil dólares. É preciso propor coisas inovadoras para que o jovens permaneçam”.